8/29/2005

O encontro

Tarde nublada. O frio insinuante, a fumaça negra dos carros, a multidão apressada; cenário agitado que confunde os sentidos e às vezes rouba o pouco de paciência que o Zeferino ainda conseguia manter. De repente, alguém o segura pelo braço: “Moço! Dá um dinheiro pro café?”. O “não” já estava na ponta da língua, mas ao olhar para o sujeito, Zeferino perde a fala. Ele conhecia aquela cicatriz na testa. Aquele mendigo só podia ser o Jota. Quem diria?
- É você Jota?
O homem assustou-se. Tentou fugir, mas Zeferino o segurou.
- Essa cicatriz? Jota, só pode ser você! O que houve contigo?
- Coisas a vida! Pode me dar algum dinheiro?
Zeferino entrou em transe. O passado invadiu o presente revivendo fatos já soterrados pelo tempo. Ele voltou no tempo.
O clima estava tenso. O Jota entrou no CPD e gritou para o Zeferino: “Você está demitido.” Todos ficaram surpresos, pois, afinal, o pobre rapaz não tinha culpa de nada. O verdadeiro culpado era o Renan, sobrinho da Arlete, diretora e mulher do Otávio, o dono da empresa. Ele tinha danificado o sistema de banco de dados causando um grande prejuízo. O Zeferino foi o bode expiatório. Ele tentou dizer algumas palavras em sua defesa, mas o Jota não deu chance.
Quando entrou na empresa, o Jota era outro. Profissional dedicado, marido fiel, companheiro. Porém, a Arlete percebeu sua ambição. Insinuou-se. Seduziu-o por prazer e conveniência. Jota cedeu. Tornou-se amante da Arlete. Ele foi prático, queria garantir o seu futuro. Em pouco tempo, o Jota tornou-se o diretor da empresa. A Arlete deu-lhe poder, mordomias, prestígio, alimentou seu ego e sua vaidade. “Eu faço minhas escolhas e traço meu destino”. Mal sabia ele que o destino é volúvel como o vento; muda de direção conforme seus caprichos. O poder não corrompe as pessoas. Na verdade, ele revela o que elas têm em seus corações. Com Jota não foi diferente.
O tempo correu. E um dia, inesperadamente, um escândalo: a empresa vai à falência. Arlete e Otávio fogem. Houve fraude, a polícia recolhe documentos, lacra a prédio. O Jota, coitado, acusado de gestão fraudulenta e lavagem de dinheiro, vai preso. Dominado pela vaidade, deixou-se enganar pela Arlete, foi envolvido em uma trama ordinária. O sonho transformou-se em pesadelo.
E Ali estava ele, mendigando na rua, magro, maltrapilho, faminto; tão diferente do executivo inflexível, às vezes cruel, que tinha demitido o Zeferino tão injustamente. O mundo dá muitas voltas.
O farol abriu e as pessoas queriam passar. Zeferino puxou-o para o canto.
- Quando você saiu da prisão?
- Há três anos!
- Esse tempo todo você ficou por aí? E a sua família?
- Não quero falar sobre isso. Você pode me dar uns trocados?
Bem que o Zeferino insistiu, mas ele não falou nada. Por fim, Zeferino pegou a carteira e tirou uma nota de cem reais. Olhos arregalados, Jota pegou o dinheiro com as mãos trêmulas. Em seguida, olhou para o Zeferino, tentou dizer alguma coisa, mas não conseguiu. Então, ele virou-se e foi andando. Sabe-se lá o que se passava em sua mente. Então, depois de dar alguns passos, ele parou de repente, virou-se para o Zeferino, ergueu a mão e acenou agradecendo. Talvez estivesse se despedindo. Depois ele sumiu entre os carros. Zeferino nunca mais teve notícias do Jota.

Onde foi publicado
Jornal A Cidade de Ribeirão Preto: Agosto/2005