2/18/2006

A tecnologia e suas contradições

No famoso romance de Robert L. Stevenson, “O médico e o monstro”, o bom doutor Jekil transformava-se no cruel senhor Hyde; da mesma forma, a Internet também traz em si a semente do bem e do mal. Como um espião, ela atravessa clandestinamente os continentes, invade corações e mentes, derruba todas as fronteiras ideológicas, geográficas e culturais. Sem dúvida, vivemos em uma “aldeia global”. O Haiti é aqui. O “tsunami” amedrontou todos nós. Os temores provocados pelas bombas de Londres também atingiram o solo tupiniquim. “A grande rede” estende suas garras numa fração de segundos; transgride nossa privacidade e causa profundas mudanças no comportamento humano. O conflito é inevitável.

O muro de Berlim foi derrubado no final da década de 80, mas, infelizmente, o modelo de desenvolvimento tecnológico que praticamos está construindo silenciosamente uma nova muralha muito mais difícil de destruir. É visível a divisão do planeta em dois blocos que se afastam cada vez mais um do outro: Ricos e pobres ou incluídos e excluídos. As nações mais poderosas – e ricas – são aquelas que produzem tecnologia e conhecimento e estão “incluídas” na espaçonave que partirá para um futuro de sucesso. Enquanto isso, nos países mais pobres, as pessoas passam fome, morrem doentes, mal sabem ler e escrever. De que forma então podem produzir tecnologia e ciência? Vivem no limbo do progresso, “excluídos” deste admirável mundo novo e das oportunidades de um futuro melhor

Outro fato preocupante: embora estamos inseridos na sociedade da informação, a ignorância e a violência parecem não ter fim. Somos bombardeados diariamente por uma enxurrada de dados: e-mails, marketing virtual, “websites” e “newsletters”. É muito lixo virtual, cultural inútil, sofismas e ideologias de toda sorte que tentam confundir nosso pensamento para manipular nossa opinião. Quem não pensa não é dono de seu destino. E a Internet que surgiu para ser um elemento multiplicador do saber, acaba sendo usada como um instrumento de alcoviteiros e pescadores de águas turvas. O exercício da razão deveria ser moda permanente.

A Internet também é uma evidência de que não é mais possível controlar tudo. Sinal dos tempos? O mundo está girando tão rápido que quando criamos um sistema para controlar “algo”, este “algo” já mudou ou não existe mais. Onde nos levará essa anarquia virtual? Isso tudo é muito novo e inquietante para nós e creio que levaremos algum tempo para aprender a lidar com esses fenômenos. Talvez por isso vivamos tão ansiosos e estressados. Chegamos até a perder o ingênuo hábito de cantar e assobiar descontraidamente. Terá o “homo tecnologicus” empenhado sua humanidade em troca da volúpia do poder? Talvez devêssemos dar menos importância aos ídolos tecnológicos que criamos e lembrar que somos pessoas. De que vale esse modelo de progresso tecnológico se não somos felizes? Contradições da modernidade!

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